terça-feira, 16 de junho de 2009

Max Weber e Michel Foucau lt: uma análise sobre poder.

Resumo

O poder é um fenômeno que vem merecendo muitos e variados enfoques nos estudos
organizacionais da atualidade. Mas, a preocupação com este tema remonta de
datas bem antigas. Daí, dado as restrições temporais e em termos de espaço, não
nos darmos a uma descrição dos variados autores com os múltiplos olhares sobre o
poder, mas sim, centralizarmos nosso foco analítico em duas figuras principais: Max
Weber e Michel Foucault. O primeiro entendendo o fenômeno em termos de uma
materialidade, que, portanto, poderia se metamorfosear em termos de transmissão
da base de origem de uma forma a outra, sendo ela ora a tradição, ora o carisma,
ora regras impessoais e universais a certas instituições burocráticas que unidas formariam
a sociedade como um todo. O segundo, entendendo o fenômeno como uma
correlação de forças no interior de instituições de reclusão denominadas “disciplinares”,
nas quais os corpos seriam distribuídos, individualizados, adestrados, vigiados,
sancionados e examinados no intuito de aumentar suas forças produtivas a um máximo
e reduzir suas forças políticas a um mínimo. Nas palavras de Foucault: criação
de corpos dóceis.


Palavras Chaves
Poder; disciplina; Estado, Sociedade, Dominação e Foucault.
Power : an analysis by foucau ltian perspective.


Abstract

The power is a phenomenon that comes deserving many and varied focuses in the
organizations studies of the actuality. But, the preoccupation with this theme repairs
of very old dates. Thence, given the temporal restrictions and in terms of space, do
not give us to a description of the varied authors with the multiple looks on the power,
but , centralize our analytic focus in two main illustrations: Max Weber and Michel
Foucault. The first understanding the phenomenon in terms of a materiality, which,
therefore, it could if metamorphose in terms of transmission of the origin base in a
way to another, being her sometimes the tradition, sometimes the charisma, sometimes
impersonal and universal rules to some bureaucratic institutions that united
would form the society as one all. The second, understanding the phenomenon as
a forces correlation inside institutions of reclusion denominated “disciplinarians”,
in which the bodies would be distributed, individualized, trained, watched, sanctioned
and examined in desire of increasing her productive forces to a maximum and
to reduce her political forces to a minimum. In Foucault’s Words: creation of docile
bodies.

Key words
Power, Discipline, Estate, Society, Domination and Foucault.


Autores:
54
Rev. Universo Administração, v. 1, Ano 1, p. 54-64, jun./dez. 2006
Aldo Ambrózio / David Fernando Ramos 55
Rev. Universo Administração, v. 1, Ano 1, p. 54-64, jun./dez. 2006


1. Introdução.
O presente trabalho nasce com a perspectiva de levar em debate um tema bastante
estudado, mas, devido às múltiplas abordagens sob as quais tem sido tratado, recebe
as mais variadas interpretações e comentários. Assim, se escolheu o pensamento
dos dois mais importantes teóricos que se debruçaram a estudar o tema: Max Weber
e Michel Foucault.
Num primeiro momento se abordou o poder sob a perspectiva weberiana, onde foram
apresentadas as formas e modalidades de exercício que o mesmo foi captado
na visão do autor. E, num segundo momento se abordou o poder na perspectiva foucaultiana
onde foi passado em revista com um acurado grau de detalhe o exercício
do poder denominado por Foucault de disciplinar que se exerceria no interior das
instituições de reclusão as quais o autor também denomina como disciplinares.
É importante salientar que a abordagem foucaultiana não se esgota na descrição do
exercício do poder disciplinar, ele ainda abordou outra forma de exercício de poder
que denominou biopolíticas que em vez de focalizarem os corpos individuais como
alvo de exercício procurariam controlar fenômenos próprios à população para que
os mesmos entrassem no interior dos cálculos infinitesimais dos controles estatais.
Mas, como o parâmetro de comparação é a teoria weberiana de poder, não faz-se
necessária a exposição do conceito de biopolíticas por não haver homologia entre tal
descrição do exercício de poder e a apresentada por Max Weber. Destarte, o estudo
se restringe ao poder disciplinar por se tratar de tentar mostrar com ele a importância
do autor para os estudos organizacionais que foram analisadas pelo mesmo
nesta fase de sua obra.
2. Weber e a Burocracia
Max Weber ao estudar como se exerciam os processos de dominação na sociedade,
onde ele identificava como sendo o poder a probabilidade de um indivíduo impor
a sua própria vontade, dentro de uma relação social, sobre outrem, contra toda a
resistência e qualquer que fosse o fundamento desta probabilidade, identificou três
maneiras legítimas e puras (ideais) que este processo poderia se dar: Forma Tradicional;
Forma Carismática e Forma Racional Legal (Burocracia). Tal classificação fica
bem clara quando ele afirma que:
A dominação, ou seja, a probabilidade de encontrar obediência a um determinado
mandato, pode fundar-se em diversos motivos de submissão.
Pode depender diretamente de uma constelação de interesses, ou seja, de
considerações utilitárias de vantagens e inconvenientes por parte daquele
que obedece. Pode também depender de mero “costume”, do hábito cego
de um comportamento inveterado. Ou pode fundar-se finalmente, no puro
afeto, na mera inclinação pessoal do súdito (WEBER, 1989, p. 128).
Na forma tradicional a possibilidade da aceitação do exercício do poder era garantida
por rituais tradicionais que conferiam à pessoa de quem o mesmo emanava um
direito absoluto, divino e alienável somente na forma hereditária, o que fazia das leis
e ordens oriundas de sua vontade dogmas inquestionáveis e imodificáveis, dado o
caráter divino de sua origem. Como afirma o próprio Weber (1989, p. 131):
Dominação tradicional em virtude da crença na santidade das ordenações
e dos oderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da
dominação patriarcal. A associação dominante é de caráter comunitário. O
tipo daquele que ordena é o “senhor”, e os que obedecem são “súditos”,
1 A questão da legitimidade é caracterizada por Weber como o reconhecimento,da parte de quem recebe as ordens,
da autoridade de quem as emite, ou seja, quando todos os indivíduos ou o indivíduo reconhecem e aceitam receber ordens de alguém livremente sem estarem coagidas,
conferindo-lhe poder. É importante salientar que o conceito de legitimidade no exercício dos tipos ideais de poder é central no pensamento weberiano.

2 O termo puro (ideal) se caracteriza pela não existência destes modelos teóricos na realidade, ou seja, de estes modelos serem caracterizações gerais e abstratas de fatos observados na realidade.Enquanto o quadro administrativo é formado por “servidores”. Obedece-se à pessoa em virtude de sua dignidade própria, santificada pela tradição: por fidelidade. O conteúdo das ordens está fixado pela tradição, cuja violação desconsiderada por parte do senhor poria em perigo a legitimidade do
seu próprio domínio, que repousa exclusivamente na santidade delas.
O corte temporal da vigência deste tipo específico de dominação, para Weber, se dá
durante toda a antiguidade, idade média se estendendo ainda ao período da aristocracia monárquica, onde são observadas todas as suas características constituintes e suas formas de profusão dominadora. Na forma carismática o motivo da obediência, apesar de continuar na figura de quem ela emana, não se depreende como forma de obediência de um ethos tradicional, ou seja, oriundo de uma formação social específica que lhe conferiria o estatus quo de mando, mas sim, das características imanentes à própria pessoa de quem adviria o mando, as quais Weber denominou carisma. Assim, “carisma” seriam características especiais que figurariam como uma espécie de dom divino que permitiria o encantamento dos seguidores. Pode-se observar nesta caracterização a continuidade da ligação da obediência com o sagrado/divino, mas agora, a transmissão não mais necessita de tradições ou rituais para conferir o poder de mando, mas, simplesmente de a pessoa ter ou não as características especiais materializadas na forma do carisma, ou seja, a questão é elementalmente pessoal. Ouçamos o próprio Weber (1982, p. 285) em sua caracterização:
O carisma pode ser, e decerto regularmente é, qualitativamente particularizado.
Trata-se mais de uma questão interna do que externa, e resulta
na barreira qualitativa da missão e poder do portador do carisma.[...] O
líder carismático ganha e mantém a autoridade exclusivamente provando
sua força na vida. Se quer ser profeta, deve realizar milagres; se quer ser
senhor da guerra, deve realizar feitos heróicos. Acima de tudo, porém, sua
missão divina deve ser “provada”, fazendo que todos os que se entregam
fielmente a ele se saiam bem. Se isso não acontecer, ele evidentemente
não será o mestre enviado pelos deuses.
Na forma racional legal (burocrática) há uma mutação drástica na forma como o
mando é estabelecido na sociedade. Neste tipo de dominação, a fonte de poder
(ou legitimação) migrará de efeitos sobrenaturais, divinos e pessoais e passará a
se estabelecer a partir de um conjunto de regras e preceitos impessoais aceitos pelos
participantes de uma determinada organização burocrática. Como afirma Weber
(1997, p. 129):
Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra
estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se
deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a
uma regra: à “lei” ou “regulamento” de uma norma formalmente abstrata.
Podemos perceber assim, uma transmissão da legitimação (o reconhecimento da ordem
estabelecida) da pessoa de onde emanava o mando para um código normativo
que passará a prescrever tanto os atos dos subordinados como os atos dos mandatários.
O poder, na visão de Weber, assim, se desloca do corpo da pessoa que manda
para se infiltrar dentro de um código de leis e normas que são aceitos em comum
acordo tanto pelos que mandam quanto pelos que recebem ordens.
O corte temporal que estabelece o início da instauração deste tipo de dominação é o
estabelecimento do Estado Moderno e da empresa privada capitalista como afirma
Weber (1982, p. 229): “A burocracia, assim compreendida, se desenvolve plenamente
em comunidades políticas e eclesiásticas apenas no Estado moderno, e na econoAldo
Ambrózio / David Fernando Ramos 57
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mia privada, apenas nas mais avançadas instituições do capitalismo”.
3. Foucault e a Soc ied ade Disc iplinar
Foucault (2002) ao analisar as metamorfoses na forma de se executar as punições
na passagem do século XVI para o XVI, acabou por descobrir não uma simples nova
metodologia na forma de punir que foi substituída por um sistema de vigilância, mas
sim, uma verdadeira metamorfose na forma de se exercer o poder na sociedade
ocidental.
Foucault visualiza que no Absolutismo Monárquico o poder possuía uma física que
se encontrava fundamentada e configurada na expressão corpórea do monarca. Ou
seja, era do corpo do Monarca que irradiavam todas as formas de poder. “Este, com
sua presença ‘material e mítica’ era quem ordenava, ameaçava e punia, vingando-se
nos corpos dos condenados a serem supliciados, por insurgirem-se contra suas ordens
(ROSA, 1997, p. 233)”. Tal materialidade do poder ficava bem evidenciada nos
procedimentos do suplício, considerado por Foucault (2002) como a representação
da presença encolerizada do rei que se vingava dos infratores de suas leis, sentenciando-os à morte de rodas, forca, ao patíbulo, esquartejamento ou ao pelourinho. É importante lembrar que neste período os corpos e vidas dos súditos não lhes pertenciam, ou seja, eram em sua totalidade do monarca, e como não havia utilidade econômica forte desses corpos, o Rei fazia deles o que bem entendesse, desde que pelas cerimônias cruéis do suplício seu poder absoluto fosse mantido.
Tal materialidade de apresentação do poder começou a ser questionada em fins do
século XVI pelos reformadores do sistema judiciário que já almejavam um castigo
que não destruísse o corpo e seus elementos ao ser exercido, mas que, ao contrário
incidisse sobre a “alma” dos condenados e tivesse o objetivo maior de corrigir as
ações do corpo no intuito de torná-lo útil à sociedade em seu conjunto.
E tal mudança de direcionamento e de objeto onde incidiria a pena não poderia estar
relacionado a outro evento que a emergência da sociedade industrial em fins do
século XVII , que deixou evidente não mais o extermínio e o controle dos corpos via
rituais violentos e sangrentos, mas sim a necessidade de sua utilização no sistema
produtivo nascente. “O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade
específica do poder disciplinar, cujas fórmulas gerais, cujos processos de
submissão das forças e dos corpos, cuja ‘anatomia política’, em uma palavra, podem
ser postos em funcionamento através de regimes políticos, de aparelhos ou de instituições
muito diversas (FOUCAULT , 2002, p. 182)”.
Foucault nesta transição identificou a transição da física do poder para a microfísica.
Ou seja, o poder se deslocou do corpo do soberano e se capilarizou nos corpos dos
súditos e, não mais no sentido de os machucar ou matar, mas sim no sentido de os
utilizar e os consumir:
Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo – ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam (FOUCAULT , 2002, p. 117).
Assim, foi constituída toda uma nova mecânica para basilar o exercício do poder que
agora possuía um novo objetivo em sua relação com os corpos dos condenados. Na
realização desse novo tido de exercício vão ser utilizados procedimentos precisos de
modo a se conseguir além da obediência/controle dos corpos, também a sua utilidade
de econômica.
O primeiro destes procedimentos a ser adotado é a distribuição espacial dos corpos.
Neste procedimento forão utilizadas quatro técnicas específicas a saber:
o enclausuramento. Que corresponde ao trancamento dos corpos em instituições
com forma arquitetural homogêneas tais como: escolas; quartéis; fábricas; hospitais;
etc; o quadriculamento. Que corresponde a individualização dos corpos no interior
das instituições supracitadas. “O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas
parcelas quanto corpos ou elementos há a repartir. [...] Importa estabelecer as
presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos” (FOUCAU
LT, 2002, p.123); as localizações funcionais. Aqui os corpos que já estão trancados e individualizados serão agora ligados a uma atividade produtiva. “É preciso ligar a distribuição dos corpos, a arrumação espacial do aparelho de produção a diversas formas de atividade na distribuição dos postos” (FOUCAULT , 2002, p. 124);
a organização do espaço em séries (hierarquia). Que corresponde a criação de
um intercâmbio entre os corpos individualizados nas técnicas anteriores traçando
nestas relações, níveis diferenciados de desenvolvimento em relação à atividade
executada onde os corpos se encontram encerrados, prescrevendo nestas
séries uma idéia de progresso de uma série a outra.
Em síntese podemos observar que este procedimento constituído por suas quatro
táticas:
[...] organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras” criam espaços
complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São
espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos
individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e
indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma
melhor economia do tempo e dos gestos. São espaços mistos: reais pois
que regem a disposição de edifícios, de salas, de móveis, mas ideais, pois
projetam-se sobre essa organização caracterizações, estimativas, hierarquias.
A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição
de ‘quadros vivos’ que transformam as multidões confusas, inúteis ou
perigosas em multiplicidades organizadas (FOUCAULT , 2002, p. 126).
O segundo procedimento utilizado é o controle da atividade que, para se exercer utilizará de cinco técnicas: o horário. Onde a execução da atividade vai ser demarcada em minúcias temporais, ou seja, cada atividade receberá um intervalo de tempo ótimo para a sua realização de modo que se possa estabelecer um início e um fim bem especificados; a elaboração temporal do ato. Aqui uma espécie de esquema anátomo-cronológico do comportamento é estabelecido, ou seja, cada ato é decomposto em uma série de movimentos precisos que serão rigorosamente medidos em termos temporais no sentido do próprio ato ser melhorado à medida que o corpo executa a
atividade a ele direcionada; a correlação entre corpo e gesto. Corresponde a imposição de uma melhor relação entre um gesto e a atitude global do corpo, ou seja, nesta técnica o corpo é absorvido pela atividade e para melhor executá-la deverá ter bem posicionados todos os demais elementos que o compõem; a articulação corpo-objeto. Cada gesto do corpo é relacionado a uma operação do objeto que a atividade requerer para o seu perfeito desempenho. Agora quem invade o corpo é o objeto; traçando naquele inúmeras relações entre os elementos que o compõem e os elementos que compõem o próprio objeto; a utilização exaustiva. Oriunda das técnicas anteriores, aqui o corpo se vê posto diante de uma maximização de sua utilização, que à medida que se desenvolve no interior de toda a sistemática, é investida de um controle cada vez mais minucioso para que nem um segundo do tempo seja desperdiçado na operação. O terceiro procedimento é a organização das gêneses que teria como objetivo principal a acumulação do tempo no corpo. Tal procedimento se inicia com a organização das séries e a imposição nas mesmas de ritmo e continuidade para que à medida que o corpo fosse passando por elas a experiência fosse se acumulando no mesmo
de modo que uma evolução pudesse ser traçada entre uma série e outra no que
tange ao aprendizado do corpo na execução de sua referida atividade. Neste procedimento são utilizados quatro processos: divisão da duração da atividade em segmentos sucessivos ou paralelos, ou seja, uma atividade complexa é fragmentada em várias atividades mais simples; organização das seqüências segundo um esquema analítico, ou seja, depois de a atividade ser decomposta em vários segmentos de execução mais simples ela é reagregada em uma ordem específica de complexidade;
finalização dos segmentos temporais, ou seja, cada um dos segmentos nos quais
a atividade foi dividida receberá um prazo específico para o seu término;
estabelecimento de séries de séries, ou seja, são ligadas as séries de grupos
humanos divididos no interior dos espaços disciplinares às séries de funções
resultantes da fragmentação das atividades. Resultando num quadro vivo onde
é prescrito, [...] a cada um, de acordo com seu nível, sua antigüidade, seu posto, os
exercícios que lhe convém; os exercícios comuns têm um papel diferenciador
e cada diferença comporta exercícios específicos. Ao termo de cada
série, começam outras, formam uma ramificação e se subdividem por sua
vez. De maneira que cada indivíduo se encontra preso numa série temporal,
que define especificamente seu nível ou sua categoria (FOUCAU LT,
2002, p. 134).
O quarto e último procedimento é a composição das forças, onde os procedimentos
anteriores são rearticulados e postos em funcionamento por meio do exercício e do
treinamento, montando-se assim combinações entre os múltiplos procedimentos e
técnicas de modo a se conseguir a máxima utilização de todos os elementos.
Em síntese podemos demonstrar o funcionamento deste aparato fisiológico temporal
nas palavras do próprio Foucault (2002, p. 141):
[...] pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos que controla,
quatro tipos de individualidade, ou antes uma individualidade dotada
de quatro características: é celular (pelo jogo da repartição espacial) é orgânica (pela codificação das atividades), é genérica (pela acumulação
do tempo), é combinatória (pela composição das forças). E, para tanto,
utiliza quatro grandes técnicas: constrói quadros; prescreve manobras;
impõe exercícios; enfim, para realizar a combinação das forças, organiza
“táticas”.
Descritas a mecânica do poder microfísico (disciplinar) em seu exercício no interior
das instituições disciplinares, é-nos necessário analisar ainda os procedimentos que
dinamizam tal exercício no sentido de relacionar os corpos aos procedimentos criados
pela disciplina.
Para Foucault o poder disciplinar não poderia ser desarticulado de um processo de
adestramento. “O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar
e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar
e se apropriar ainda mais e melhor (FOUCAU LT, 2002, p. 143)”. Este adestramento é
que seria responsável pela fabricação dos indivíduos necessários ao funcionamento
das instituições a que estivessem ligados. E, no decorrer deste adestramento, alguns
instrumentos simples e precisos seriam fundamentais no sentido da efetivação do
duplo objetivo das disciplinas: o olhar hierárquico; a sanção normalizadora e o exame.
No primeiro instrumento vemos ser construída uma pirâmide de olhares que atravessariam
de cima a baixo e de uma extensão a outra as instituições disciplinares fazendo com que nenhum gesto escapasse a essa organização óptica. Ouçamos o
próprio Foucault (2002, p. 148) A vigilância hierarquizada, contínua e funcional não é, sem dúvida, uma das grandes “invenções” técnicas do século XVII , mas sua insidiosa extensão deve sua importância às novas mecânicas de poder, que traz consigo. O poder disciplinar, graças a ela, torna-se um sistema “integrado”, ligado
do interior à economia e aos fins do dispositivo onde é exercido. Organiza- se assim como um poder múltiplo, automático e anônimo; pois, se é verdade que a vigilância repousa sobre indivíduos, seu funcionamento é de uma rede de relações de alto a baixo, mas também até um certo ponto de baixo para cima e lateralmente; uma rede “sustenta” o conjunto, e o perpassa de efeitos de poder que se apóiam uns sobre os outros: fiscais perpetuamente fiscalizados.
No segundo instrumento, a sanção normalizadora, foram dosados de forma precisa
os castigos e os benefícios de forma a criar-se uma visão clara do tipo de comportamento ideal para o funcionamento das instituições disciplinares:
Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma micropenalidade
do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseria, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes “incorretas”, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição, toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a provações ligeiras e pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa servir para punir a mínima coisa;
que cada indivíduo se encontre preso numa universidade punível-punidora (FOUCAULT , 2002, p. 149). O terceiro instrumento, o exame, talvez seja o mais abrangente dos três por combinar os instrumentos da vigilância hierárquica e da sanção normalizadora no intuito de estar unindo através da atividade do registro que lhe é imanente os laços entre as relações de poder e a criação de um saber sob os corpos que estão sendo vigiados e punidos: [...] o exame está no centro dos processos que constituem o indivíduo como efeito e objeto do poder, como efeito e objeto do saber. É ele que, combinando vigilância hierárquica e sanção normalizadora, realiza as grandes funções disciplinares de repartição e classificação, de extração máxima
das forças e do tempo, de acumulação genética contínua, de composição
ótima das aptidões. Portanto, de fabricação da individualidade celular, orgânica, genética e combinatória. Com ele se ritualizam aquelas disciplinas que se pode caracterizar com uma palavra dizendo que são uma modalidade de poder para o qual a diferença individual é pertinente (FOUCAULT , 2002, p. 160).
Conhecidos os instrumentos que forneciam a dinâmica do exercício a partir do qual o
poder disciplinar poderia inserir-se nos corpos moldando-os, adestrando-os e melhorando-os, nos resta apreciar apenas a forma arquitetural que serviu de modelo para as instituições disciplinares. Se trata do Panóptico de Jeremy Bentham. Tal modelo de arquitetura possuía o seguinte princípio: [...] na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas tem duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um
operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre,
recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas
nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha (FOUCAULT , 2002, p. 166).
A idéia central de tal aparato óptico era fornecer uma visibilidade total do lado de
quem vigiava e uma visibilidade nula do lado de quem era vigiado no sentido da idéia
de uma vigilância constante e ininterrupta cujas regras acabassem por se internalizar
nos corpos dos indivíduos que se encontravam sob processo de vigília tornar-se
uma possibilidade real aos seus olhos. Ao serem incididos por tais dispositivos de poder os corpos se desenvolviam no sentido de elevar ao máximo sua utilidade econômica e de reduzir a um mínimo sua força
política “digamos que a disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do
corpo é com o mínimo ônus reduzida como força ‘política’, e maximizada como força
útil (FOUCAULT , 2002, p. 182)”, ou seja, na mais clara denominação se transformavam
em verdadeiros “corpos dóceis”.
Mas, não apenas na anatomia do corpo este processo surtiria efeitos, outro importante
desdobramento aconteceria em um nível bem mais profundo que as suas formas
físicas: Se o suplemento de poder do lado do rei provoca o desdobramento de seu corpo, o poder excedente exercido sobre o corpo submetido do condenado não suscitou um outro tipo de desdobramento: o de um incorpóreo, de uma “alma” moderna, como dizia Mably. A história dessa microfísica do poder punitivo seria então uma genealogia ou uma peça para uma genealogia da “alma” moderna. A ver nessa alma os restos reativados de uma ideologia, antes reconheceríamos nela o correlativo atual de uma certa tecnologia de poder sobre o corpo. Não se deveria dizer que a alma é uma
lusão, ou um efeito ideológico, mas afirmar que ela existe, que tem uma realidade, que é produzida permanentemente, em torno, na superfície, no interior do corpo pelo funcionamento de um poder que se exerce sobre osque são punidos – de uma maneira mais geral sobre os que são vigiados,treinados e corrigidos, sobre os loucos, as crianças, os escolares, os colonizados,sobre os que são fixados a um aparelho de produção e controlados durante toda a existência. Realidade histórica dessa alma, que, diferentemente da alma representada pela teologia cristã, não nasce faltosa
e merecedora de castigo, mas nasce antes de procedimentos de punição, de vigilância, de castigo e de coação. Esta alma real e incorpórea não é absolutamente substância; é o elemento onde se articulam os efeitos de um certo tipo de poder e a referência de um saber, a engrenagem pela qual as relações de poder dão lugar a um saber possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos de poder. Sobre essa realidade-referência, vários conceitos foram construídos e campos de análise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade, consciência, etc.; sobre ela técnicas e discursos científicos foram edificados; a partir dela, valorizaram-se as reivindicações morais do humanismo. Mas não devemos nos enganar: a alma, ilusão dos
ideólogos, não foi substituída por um homem real, objeto de saber, de reflexão
filosófica ou intervenção técnica. O homem de que nos falam e que nos convidam a libertar já é em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele. Uma “alma” o habita e o leva à existência, que é ela mesma uma peça no domínio exercido pelo poder sobre o corpo. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, prisão do corpo(FOUCAULT , 2002, p.28).
Assim, podemos afirmar, que enquadrados, distribuídos espacialmente, individualizados, postos em relação a uma atividade, vigiados para por fim gerarem um registro que dará forma e conteúdo a diversas disciplinas de saber; os corpos, além de se tornarem dóceis e úteis, ainda produziriam um incorpóreo que possuiria nele próprio todas as regras e princípios da clausura, e este incorpóreo seria nada mais, nada menos que suas próprias subjetividades.
O tipo de sociedade que poria em funcionamento este tipo específico de poder foi
classificada por Foucault de sociedade disciplinar “na qual o comando social é construído mediante uma rede difusa de dispositivos ou aparelhos que produzem e regulam os costumes, os hábitos e as práticas produtivas (HARDT; NEGRI, 2001, p. 42)”, sendo posta em funcionamento através de instituições também classificadas por
Foucault como disciplinares (a prisão, a fábrica, o asilo, o hospital, a universidade, a escola e etc) que estruturariam o terreno social e forneceriam explicações lógicas e adequadas para a razão da disciplina (HARDT; NEGRI, 2001).

4. Conclusão
Na exposição dos pensamentos dos dois autores em relação à forma como são exercidas
as relações de poder nas sociedades ocidentais podemos notar diferenças
quanto ao método de abordagem e quanto à forma que o poder é compreendido nas
exposições de ambos.
Quanto ao método, podemos perceber que Weber trabalha com o tipo puro (ideal), ou
seja, características gerais que não existiriam na realidade, mas que derivariam de
apreciações genéricas do funcionamento das instituições e do comportamento dos
indivíduos nas mesmas. Em uma palavra: Weber teria a partir de observações consistentes
do funcionamento das instituições no decorrer do tempo sistematizado e
agrupado certos traços que poderiam assim caracterizá-las em um esquema amplo,
mas não representá-las em sua forma real, que no caso se distanciaria do modelo
proposto.
Foucault, ao contrário de Weber, partiria para a observação do que descreveu em
sua forma real, ou seja, as observações acerca do funcionamento da prisão, da fábrica,
da escola e etc, seriam em sentido lato, “o como” o poder realmente é exercido
nestas instituições e as descrições sobre os efeitos desse poder, realmente apresentariam
os resultados nos corpos dos afetos das relações de força características
deste poder.
Quanto à forma de funcionamento podemos ver em Foucault a inexistência de uma
fonte onde o poder emanaria e também uma inexistência de algo que o possuísse,
assim, como a inexistência de uma materialidade e de certa forma de uma negatividade
em seu exercício. O poder não seria algo que uns deteriam e outros não. O
poder também não emanaria a partir de um determinado ponto fixo, seja o chefe
da tribo ou o guerreiro, no caso da sociedade tradicional ou do cargo, no caso da
sociedade Burocrática. O poder aconteceria em um exercício e assim, não consistiria
em nada além de uma relação de forças. Podemos dizer também que o poder não
possuiria uma negatividade, ou seja, agiria negando e reprimindo a quem não o detivesse,
mas sim, agiria de forma positiva no sentido de produzir as realidades e as
subjetividades próprias ao seu exercício.
Mas, ponto comum entre as duas abordagens é o contexto do exercício do poder.
Tanto para Foucault quanto para Weber relações de poder só poderiam existir caso
os membros envolvidos em tais relações gozassem de liberdade.
Ao contrário do pensamento usual, o poder não é contrário à liberdade. Sociedades
nas quais seus membros não gozem de liberdade política estão sob o jugo de relações
de submissão e não relações de poder.
Concluímos assim, ser de extrema importância a introdução dos estudos de Foucault
para a compreensão do funcionamento das relações de poder no interior das organizações.
Primeiramente pelo fato dele ter apresentado com maestria sem igual o funcionamento
dos dispositivos de poder no interior das mesmas, como afirma Deleuze
(1992, p. 219): “Foucault analisou muito bem o projeto ideal dos meios de confinamento,
visível especialmente na fábrica: concentrar; distribuir no espaço; ordenar no
tempo; compor no espaço-tempo uma forma produtiva cujo efeito deve ser superior
à soma das forças elementares”. Em segundo lugar pelo fato de ter trabalhado com
formas reais em oposição a tipos ideais ou puros o que ajuda a análise ao tirar seu
foco de elementos transcendentes.
Mas talvez o que mais torna o pensamento de Foucault importante para compreender
as relações de poder nas organizações contemporâneas é o fato de que com as
modificações da estrutura das organizações – a estrutura departamentalizada foi
substituída por estruturas voltadas para processos – e na forma com que o trabalho
é executado – de uma extrema separação entre a concepção e a execução para a
realização do trabalho em equipes multifuncionais – fica difícil ainda acreditar que
os sujeitos aceitam o mando por serem fiéis às regras e prescrições de seus cargos.
Parece fazer mais sentido acreditar que as pessoas aceitam serem lideradas por o
conteúdo do trabalho as afetarem de alguma forma, ou seja, as atividades que tem
de executar fazerem algum sentido para as mesmas e, como última observação,
podemos citar também a importância do conceito da produção subjetiva como fator
explicativo para a atual debilidade e inoperância dos movimentos trabalhistas.
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Rev. Universo Administração, v. 1, Ano 1, p. 54-64, jun./dez. 2006
Max Weber e Michel Foucault: uma análise sobre poder.
5. Referências
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988.
______.Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
FOUCAULT , Michel. Microfísica do poder. 16. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal,
2001.
______. Vigiar e punir. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
HARDT, Michael; NEGRI, Antônio. Império. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
ROSA, Ronney Muniz. Subjetividade produzida: poder e disciplina em uma problematização
foucaultiana. In: BAPTISTA, Dulce. et al. (orgs). Cidadania e subjetividade. Rio
de Janeiro: Imaginário, 1990.
WEBER, Max. Sociologia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1997.
______. Ensaios de sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982.

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